Uma parte de mim é todo mundo Outra parte é ninguém
Fundo sem fundo
Uma parte de mim é multidão
Outra parte estranheza e solidão
Uma parte de mim, pesa
Pondera
Outra parte, delira
Uma parte de mim almoça e janta
Outra parte se espanta
Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente
Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte, linguagem
Traduzir uma parte noutra parte
Que é uma questão de vida ou morte
Será arte?
Será arte?
(TRADUZIR-SE - Ferreira Gullar)
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Uma das características que mais me fascina no ser humano é a sua capacidade de ser múltiplo, de surpreender ou surpreender-se consigo, se aperfeiçoar, se superar. Ou mais ainda, sua peculiar multiplicidade, ou sendo mais exata, uma imensa contraditoriedade ou fragmentação que eles carregam em sua essência.
Certo é que para a maioria de nós é doloroso demais conviver com tudo isto, e muitos, por condicionamento ou até mesmo acomodação, escolhem o caminho mais confortável da previsibilidade, do tradicional, da triste tranquilidade do não arriscar-se. Pois o risco de penetrar na densa e escura floresta da nossa verdadeira essência, não é tarefa simples, muitas vezes é assustadora, requer coragem, dedicação. Ir ao encontro da descoberta do que se é, aceitar aquilo que somos que não nos agrada, mas que o sabemos e tantas vezes negamos, é um processo doloroso. Descobrir que dentro de nós habita e convive tantas verdades distintas e que em alguns e inesperados momentos entram num embate, quando escolhem opostos caminhos dilacerando nossos óbvios propósitos. Muitas vezes estas experiências assustadoras instalam-se à nossa frente nos esterrecendo e nos enchendo de dúvidas e receios. Ao trilharmos este caminho inicialmente, mal sabemos que neste processo, na verdade, precisamos ser lentos, pacientes, despojados de pré-conceitos e extremamente dedicados. Devemos cultivar a aceitação pura e simples sem juízo de valor, ter a coragem de encarar de frente nossa complexidade, nosso lado sombrio, nossas próprias contradições, nossa dualidade. Pois a partir do momento que pararmos de lutar consigo mesmos, encontraremos a paz interior necessária para nos assumirmos e nos aceitarmos. É inútil lutar contra o que se é, como já dizia Jung: "o indivíduo pode lutar pela perfeição, mas deve sofrer com o oposto de suas intenções em nome da sua totalidade". Isto sintetiza tudo não? Não precisaria dizer mais nada, mas ...
Assim, desta forma, seremos seres com brilho próprio, mais atraentes, mais interessantes, mais livres para exercitarmos nossa verdade interior sem culpas medos ou incertezas, mesmo sabendo que somos essencialmente contraditórios.
Entre ser ou não ser, não vacile nunca, SEJA! Viver verdadeiramente é uma arte!
(Sarah K > fev/2007)
(foto: Yoyce Tenesson)