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“Meu voto é sangue,
volúpia ardente,
Tristeza esparsa,
remorso vão,
E todo dia,
amargo e quente
Cai gota a gota do coração"
(Manuel Bandeira)
(Manuel Bandeira)
Resisti muito a escrever sobre política, eleições e afins aqui no *idéias*, porque como dizem por aí, religião, partido e/ou ideologia política, time de futebol, etc, cada um tem o seu ... Enfim.
Hoje entretanto, às vésperas da decisão, meus pés ansiosos me trouxeram diante do teclado e meus dedinhos afoitos, começaram a roçar as teclas, num gesto mais forte que minha resistência até então.
Hoje entretanto, às vésperas da decisão, meus pés ansiosos me trouxeram diante do teclado e meus dedinhos afoitos, começaram a roçar as teclas, num gesto mais forte que minha resistência até então.
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Esta eleição, mais do que qualquer outra, rachou o Brasil em dois, um país que se mostra claramente dividido em dois pólos: do sul e do norte, do capital e da força de trabalho, da grande população carente e das elites. Um reflexo claro das mais profundas desigualdades nacionais.
Semana passada, enquanto lia um artigo no blog de um conhecido virtual, professor de Filosofia e de Ciência Política em Minas Gerais, senti claramente este racha e mais algumas questões sobre as quais escreverei a seguir.
(Para um melhor entendimento não deixem de ler o artigo aqui: Prosa Política).
Não sou acadêmica, filósofa, nem coisa parecida, muito menos entendo de ciência política. O que escreverei aqui será absolutamente baseado em minha visão pessoal.
Como explicou certa vez o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, o que sempre ocorre no Brasil, a grosso modo, em termos eleitorais é a ocorrência do voto clientelístico, ou seja, “o eleitor brasileiro ainda não consegue ter um comportamento político autônomo”. Isto vale desde sempre para a grande maioria dos eleitores brasileiros, seja ela escolarizada ou não, pobre ou não, bem informada ou não, produtiva ou não. Pois é, semi-analfabetos como todos sabem votam neste país. Um país onde desde sempre o acesso à educação é privilégio de poucos. Aos políticos com eleitorado “de cabresto” (uma grande maioria) sempre interessou manter a maioria da população à margem do conhecimento e da educação. E justamente agora, esta mesma camada da população que elegeu por anos a fio estes políticos queixa-se do “povo” que está elegendo Lula. Mas este “povo” foi justamente nutrido pela política clientelista e “emburrecedora” que governou o país anos a fio. O feitiço enfim virou-se contra o feiticeiro.
O que sempre observou-se no comportamento do eleitor brasileiro de um modo geral foi o voto de clientela, o voto que trará algum benefício pessoal. Um candidato como Alckmin que cortará gastos públicos, priorizará as políticas econômicas em detrimento de investimentos em política sociais de impacto, que privatizará estatais não lucrativas (?) será o preferido do setor produtivo, do grande empresariado e das classes mais abastadas. Um candidato como o Lula, que elevou o salário mínimo acima da inflação, implantou programas sociais, incrementou o comércio interior, investiu em política urbana, consequentemente atrairá os votos dos setores menos enriquecidos e mais carentes da sociedade.
Não discutirei agora a questão mais ampla do crescimento econômico nem a questão ética (não menos importantes). Vamos adiante.
Aqui na Bahia, os eleitores de ACM (e olhe que ele tem um eleitorado bastante eclético em termos de nível sócio-econômico) repetiam o bordão “rouba, mas faz” para justificar a sua continuidade no poder. Para estes eleitores, seus interesses pessoais passavam por cima da ética (que tanto criticam agora no governo federal), o importante era o resultado final, ou seja (como vocês leram no artigo do prof. Rubens), “o lado podre do indivíduo em sintonia com o lado podre do candidato” decidia que seu voto seria norteado pelo retorno pessoal, não importando que meios o candidato usaria. Isto vale não só para ACM, mas para tantos outros como Maluf, Collor, FHC, etc.
Assim é o perfil médio do eleitor brasileiro: não tem comportamento político autônomo, é imediatista e tem memória política curta.
Portanto, como se vê, o modelo de eleitorado na sua grande maioria sempre foi este. Porque justamente agora, quando o eleitorado repete o comportamento de sempre (só que em favor de um candidato de perfil popular), determinados setores da sociedade sentem-se ofendidos e bradam como se esta prática fosse fruto único e exclusivo da política praticada por Lula e o PT?
Na realidade, neste país necessitamos com urgência da aplicação de políticas sociais que combatam as desigualdades e diminuam a faixa de miséria de nossa população. Fatalmente esta prática fará com que o setor dito produtivo sinta-se “menosprezado” em prol destas classes mais carentes. Os papéis se invertem, e a classe que sempre foi massacrada e sacrificada agora recebe a justa atenção do governo, o que causa uma sensação de desvantagem nas classes mais abastadas. Acho natural que inicialmente assim seja, “para fazer o omelete temos que quebrar os ovos” como dizia minha avó, algo deverá ser sacrificado por um tempo até alcançarmos um equilíbrio sócio-econômico.
Porque determinados setores sentem-se desprivilegiados, ou até sacrificados? Quanto tempo a grande maioria da população brasileira viveu à margem da sociedade? Porque quando se investe nestas políticas, logo partem para a ridicularização, apelidando-as de “bolsa-esmola”? Acho que a grande votação em Lula reflete a situação social caótica que se instalou no Brasil por longos anos, fruto de políticas que cada vez mais colocavam as classes carentes à margem do crescimento. Os programas de bolsas, no meu entender, são ações emergenciais que se desenvolverão futuramente em programas mais consistentes e menos paternalistas.
Por tudo isto, acho o voto em Lula justificável, apesar do “mar de corrupção”. Um mar que na verdade era um grande lençol freático que existe há muito tempo e veio à tona nos últimos quatro anos.
Esta eleição, mais do que qualquer outra, rachou o Brasil em dois, um país que se mostra claramente dividido em dois pólos: do sul e do norte, do capital e da força de trabalho, da grande população carente e das elites. Um reflexo claro das mais profundas desigualdades nacionais.
Semana passada, enquanto lia um artigo no blog de um conhecido virtual, professor de Filosofia e de Ciência Política em Minas Gerais, senti claramente este racha e mais algumas questões sobre as quais escreverei a seguir.
(Para um melhor entendimento não deixem de ler o artigo aqui: Prosa Política).
Não sou acadêmica, filósofa, nem coisa parecida, muito menos entendo de ciência política. O que escreverei aqui será absolutamente baseado em minha visão pessoal.
Como explicou certa vez o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, o que sempre ocorre no Brasil, a grosso modo, em termos eleitorais é a ocorrência do voto clientelístico, ou seja, “o eleitor brasileiro ainda não consegue ter um comportamento político autônomo”. Isto vale desde sempre para a grande maioria dos eleitores brasileiros, seja ela escolarizada ou não, pobre ou não, bem informada ou não, produtiva ou não. Pois é, semi-analfabetos como todos sabem votam neste país. Um país onde desde sempre o acesso à educação é privilégio de poucos. Aos políticos com eleitorado “de cabresto” (uma grande maioria) sempre interessou manter a maioria da população à margem do conhecimento e da educação. E justamente agora, esta mesma camada da população que elegeu por anos a fio estes políticos queixa-se do “povo” que está elegendo Lula. Mas este “povo” foi justamente nutrido pela política clientelista e “emburrecedora” que governou o país anos a fio. O feitiço enfim virou-se contra o feiticeiro.
O que sempre observou-se no comportamento do eleitor brasileiro de um modo geral foi o voto de clientela, o voto que trará algum benefício pessoal. Um candidato como Alckmin que cortará gastos públicos, priorizará as políticas econômicas em detrimento de investimentos em política sociais de impacto, que privatizará estatais não lucrativas (?) será o preferido do setor produtivo, do grande empresariado e das classes mais abastadas. Um candidato como o Lula, que elevou o salário mínimo acima da inflação, implantou programas sociais, incrementou o comércio interior, investiu em política urbana, consequentemente atrairá os votos dos setores menos enriquecidos e mais carentes da sociedade.
Não discutirei agora a questão mais ampla do crescimento econômico nem a questão ética (não menos importantes). Vamos adiante.
Aqui na Bahia, os eleitores de ACM (e olhe que ele tem um eleitorado bastante eclético em termos de nível sócio-econômico) repetiam o bordão “rouba, mas faz” para justificar a sua continuidade no poder. Para estes eleitores, seus interesses pessoais passavam por cima da ética (que tanto criticam agora no governo federal), o importante era o resultado final, ou seja (como vocês leram no artigo do prof. Rubens), “o lado podre do indivíduo em sintonia com o lado podre do candidato” decidia que seu voto seria norteado pelo retorno pessoal, não importando que meios o candidato usaria. Isto vale não só para ACM, mas para tantos outros como Maluf, Collor, FHC, etc.
Assim é o perfil médio do eleitor brasileiro: não tem comportamento político autônomo, é imediatista e tem memória política curta.
Portanto, como se vê, o modelo de eleitorado na sua grande maioria sempre foi este. Porque justamente agora, quando o eleitorado repete o comportamento de sempre (só que em favor de um candidato de perfil popular), determinados setores da sociedade sentem-se ofendidos e bradam como se esta prática fosse fruto único e exclusivo da política praticada por Lula e o PT?
Na realidade, neste país necessitamos com urgência da aplicação de políticas sociais que combatam as desigualdades e diminuam a faixa de miséria de nossa população. Fatalmente esta prática fará com que o setor dito produtivo sinta-se “menosprezado” em prol destas classes mais carentes. Os papéis se invertem, e a classe que sempre foi massacrada e sacrificada agora recebe a justa atenção do governo, o que causa uma sensação de desvantagem nas classes mais abastadas. Acho natural que inicialmente assim seja, “para fazer o omelete temos que quebrar os ovos” como dizia minha avó, algo deverá ser sacrificado por um tempo até alcançarmos um equilíbrio sócio-econômico.
Porque determinados setores sentem-se desprivilegiados, ou até sacrificados? Quanto tempo a grande maioria da população brasileira viveu à margem da sociedade? Porque quando se investe nestas políticas, logo partem para a ridicularização, apelidando-as de “bolsa-esmola”? Acho que a grande votação em Lula reflete a situação social caótica que se instalou no Brasil por longos anos, fruto de políticas que cada vez mais colocavam as classes carentes à margem do crescimento. Os programas de bolsas, no meu entender, são ações emergenciais que se desenvolverão futuramente em programas mais consistentes e menos paternalistas.
Por tudo isto, acho o voto em Lula justificável, apesar do “mar de corrupção”. Um mar que na verdade era um grande lençol freático que existe há muito tempo e veio à tona nos últimos quatro anos.
Quando vota-se em Lula, na verdade vota-se pelo anseio de uma sociedade mais justa, menos desumana. Conseguir esta façanha não é tarefa fácil, concordo. Será que estou sendo idealista? Cada setor da sociedade deverá entrar com sua parcela de colaboração para que este quadro de desigualdades mude. Seria um sacrifício muito grande para a economia e os setores produtivos (o Brasil ficou em penúltimo lugar nas taxas de crescimento econômico nos últimos anos)? Uma questão preocupante. Mas como crescer desta forma? Devemos desistir do equilíbrio social e chegar à conclusão, mesmo antes de tentar, que o lado mais carente e pobre da estória é quem deve sempre sacrificar-se? E que quem governa pensando nesta parcela massacrada da sociedade visa apenas manobrá-la e usá-la para garantir seu projeto de poder?
Desconfio deste posicionamento, me parece justamente o tipo de discurso que projeta no alvo a atitude de quem o critica: o crítico cujo discurso é o oposto de suas ações, ou trocando em miúdos: "faça o que digo, mas não faça o que eu faço".
E assim continuamos.
Continuamos vítimas da repetição: na corrupção, na falta de ética, no clientelismo. Isto sim continua como sempre foi, muito antes, mas muito mesmo, de Lula ser presidente. São vícios arraigados na política brasileira que agora encontram em Lula o seu bode expiatório.
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(Sarah K > out/2006)